"Enquanto um produto reciclado custar mais do que o antiecológico, o meio ambiente vai sair perdendo
Pagar R$ 0,19 por um saquinho plástico biodegradável? A ideia foi mal recebida. Compreendo a revolta do consumidor.
Se os supermercados quisessem mesmo ser amigos da ecologia, poderiam
oferecer de graça, durante algum tempo, sacolas permanentes aos
fregueses.
Registrariam o brinde no seu cartão de fidelidade, e pronto, será
responsabilidade sua se você o esquecer em casa da próxima vez.
Em todo caso, não fiquei especialmente chocado quando me pediram mais alguns centavos pelos tais saquinhos.
Em 1986, passei um tempo na Alemanha, e a prática já era essa por lá:
uma moedinha de cobre, justo de 20 centavos, era cobrada por cada saco
plástico que você levasse. Bem mais resistente, é verdade, que o
equivalente brasileiro.
Não, o velho saquinho gratuito não deixa saudades. Quantas vezes não se
rompeu, esparramando molho de tomate e xampu no chão do elevador? Uma
fissura mínima naquela pele esbranquiçada se alargava em menos de um
minuto; desventrava-se o conteúdo. Pior se o saco plástico estivesse
carregando o lixo da cozinha.
Vale lembrar uma diferença com o sistema alemão. Da primeira vez em que
fui ao mercado, agi como brasileiro, isto é, com inocência. Ainda assim a
inocência me favorecia, o que também é comum com os brasileiros. Ou
seja, não sabia que cobravam pelos saquinhos. Estavam espalhados, como
aqui, no balcão, e peguei os de que precisava.
Ninguém reclamou. Ninguém me disse que era preciso pagar. O preço não vinha incluído no papelzinho do caixa.
Do mesmo modo, nos Estados Unidos, costuma-se pegar o jornal numa caixa
de plástico e deixar o pagamento ali mesmo, sem ninguém para verificar
se o consumidor é ladrão ou não é.
Na biblioteca do Instituto Goethe, onde eu fazia um curso, também não
havia funcionário para ver que livro eu tinha retirado, e quando iria
devolvê-lo. O professor, um jovem alemão politicamente correto, explicou
o sistema para a classe heterogênea em que eu estava matriculado.
"Confiamos em vocês", disse para aquele grupo de turcos, gregos,
paquistaneses, brasileiros, italianos e filipinos. "Peguem os livros que
quiserem e devolvam depois de uma semana."
Ele não tinha lido, provavelmente, os últimos artigos sobre a essência
canalha, animal, egoísta e cruel do ser humano. Naquela época não
estavam tão em moda.
De qualquer maneira, o sistema dava certo; ou porque os mais desonestos
não se interessavam pelos livros, ou porque a tão vilipendiada "natureza
humana" costuma reagir bem quando é bem tratada.
Só depois de algumas semanas na Alemanha percebi que os saquinhos do
supermercado custavam 20 centavos. Havia, de fato, um cartaz informando o
preço. Já com boas disposições, por ter sido respeitado na biblioteca,
paguei pelas sacolas alegremente.
Tirei da experiência, todavia, uma conclusão menos otimista. Na minha
opinião, vale para todas as iniciativas em favor do meio ambiente.
Implico bastante, por exemplo, quando me pedem para economizar o papel
da impressora. Florestas são derrubadas para fazer papel, logo devemos
economizar...
Certo. Mas se devemos economizar papel, por que é tão barato?
Em última análise, a consciência de cada um pela preservação do meio
ambiente pode ajudar muita coisa. Mas enquanto um produto reciclado
custar mais do que o produto antiecológico, acho óbvio que o meio
ambiente vai sair perdendo.
Cobrar pelos sacos plásticos não é absurdo desse ponto de vista. Claro
que, em termos de relações públicas, tudo deu errado. O supermercado
poderia oferecer desconto para quem trouxesse as próprias sacolas, por
exemplo. Economicamente daria no mesmo.
Enquanto isso, basta ir a qualquer prateleira (detesto o termo
"gôndola") para ver o enorme, o ultrajante desperdício de plástico na
maioria dos produtos.
Veja-se o caso das lâminas de barbear descartáveis. O produto vem
embutido numa grande e duríssima armadura de plástico: preciso de uma
navalha para abrir. A razão é que, se a embalagem fosse menor, o
consumidor, esse ladrão, enfiaria as lâminas no bolso e sairia sem
pagar.
Um jogo cínico assim se estabelece. Nós, do supermercado, sabemos de sua
boa vontade com a ecologia, mas sabemos também que você é um bandido em
potencial. Temos, aliás, certeza disso: você é como nós. Com a
diferença de que paga a conta."
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