sábado, 10 de setembro de 2011

O fim da poliomielite por Drauzio Varella

Fonte: Folha de São Paulo



De cada 3,2 milhões de crianças que recebem a vacina Sabin, uma pode apresentar complicação



Uma criança de Minas apresentou paralisia nas pernas depois de tomar a vacina contra a poliomielite, noticiou a Folha. Segundo o Ministério da Saúde, fica difícil confirmar o diagnóstico porque o período transcorrido desde a imunização é longo demais.
De qualquer forma, de cada 3,2 milhões de crianças que recebem a gotinha da vacina Sabin, uma pode apresentar essa complicação. Tal número, aceitável do ponto de vista estatístico, significa uma tragédia para a família da criança atingida.
O caso ilustra a complexidade das intervenções em saúde pública.
Existem duas vacinas contra a pólio: a Salk, que emprega vírus mortos administrados por via injetável; e a Sabin, preparada com vírus vivos atenuados, passíveis de administração oral. Por conter apenas vírus mortos, a Salk não pode provocar paralisias.
Introduzida em 1962, a vacina Sabin mostrou-se mais eficaz para a vacinação em massa, pela comodidade da via oral e pelo fato de o vírus atenuado nela contido ser excretado nas fezes, podendo conferir imunidade aos não vacinados que entrarem em contato com ele nas regiões sem saneamento.
Em 1988, ano em que ocorreram 350 mil casos da doença no mundo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tomou a decisão de erradicar esse flagelo de uma vez por todas.
A pretensão era ousada, mas razoável: se em 1977 tínhamos acabado com a varíola, por que não conseguiríamos o mesmo com uma doença para a qual existe vacina e que é transmitida de uma pessoa para outra sem a intermediação de hospedeiros, que tantas vezes funcionam como reservatórios naturais impossíveis de eliminar?
O tempo mostrou que acabar com a varíola foi mais fácil. Primeiro, porque seus portadores são facilmente identificáveis a partir das lesões na pele, enquanto a maioria das infecções pelo vírus da pólio são inaparentes. Apenas 1 em cada 100 a 200 infectados desenvolve a forma paralítica da doença, mas todos eliminam o vírus nas fezes. Segundo, porque enquanto uma única dose da vacina antivariólica confere imunidade em 95% a 98% das vacinações, a da paralisia infantil exige três, quatro e às vezes seis doses de reforço.
Apesar dessas dificuldades, o número de casos e o de países que os relataram caiu rapidamente.
No Brasil, o último diagnóstico foi feito em 1990. A OMS declarou a doença definitivamente erradicada das Américas em 1994, e da Europa em 1999.
Os vírus da poliomielite não são todos iguais, eles pertencem a três sorotipos: 1, 2 e 3. O último caso provocado pelo sorotipo 2 foi detectado em 1999, enquanto aqueles atribuídos aos sorotipos 1 e 3 diminuíram 99% entre 1988 e 2005.
No final de 2009 foi obtida uma nova vacina oral bivalente contra esses sorotipos 1 e 3. Sua administração para crianças negligenciadas nas campanhas anteriores provocou queda de 95% das ocorrências nos dois maiores reservatórios naturais: norte da Índia e norte da Nigéria.
O declínio da transmissão na Índia e na Nigéria é crucial para o combate, porque vírus procedentes dessas áreas têm causado surtos em outros países anteriormente livres.
Além de Índia e Nigéria, o vírus ainda sobrevive em outros dois reservatórios naturais: Paquistão e parte do Afeganistão. Nos outros oito países que ainda registram casos, ele foi reintroduzido após extinto.
Três deles (Angola, Chad e Congo) se tornaram reservatórios secundários, condição que a OMS considera caracterizada quando o vírus importado continua a circular no novo habitat por mais de 12 meses.
Os desafios logísticos para imunizar em massa mais de 90% das crianças que vivem nesses reservatórios secundários são semelhantes aos enfrentados para erradicar a doença em áreas endêmicas nas quais miséria, insegurança e guerras dificultam as operações.
Embora não seja fácil eliminar o vírus que ainda resiste em seus reservatórios naturais ou secundários, a OMS defende que a poliomielite está perto do final e os especialistas já discutem como prevenir surtos na era pós-erradicação.
Nessa fase deveríamos adotar a vacina Salk, injetável, para evitar as rarísmas complicações da Sabin?
Seria melhor interromper os esquemas de vacinação ou mais prudente mantê-los, apesar dos custos e riscos?

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