segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Hospitais públicos do país perdem qualidade graças a dificuldades de gestão



PARA SUPERINTENDENTE DO SÍRIO-LIBANÊS, SISTEMA DE CONCURSO E ESTABILIDADE NO EMPREGO PODEM EXPLICAR SITUAÇÃO DA SAÚDE
REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE CIÊNCIA E SAÚDE

 
O médico Paulo Chapchap, presidente do Conselho de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, é contra um novo imposto para financiar a saúde no Brasil. Mas diz que o país ainda gasta pouco com a área. Pior ainda: gasta mal, diz ele.
Junto com os EUA, o Brasil é um dos únicos países do mundo em que o gasto privado com saúde supera o público. E o engessamento da gestão pública de hospitais faz despencar a qualidade do serviço oferecido aos pacientes, argumenta. Ele, porém, elogia os avanços em transplantes, sua especialidade.

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Folha - Para o sr., qual é o principal problema da saúde pública no Brasil?
Paulo Chapchap - A gente sempre fica no dilema: é um problema de financiamento ou um problema de gestão? São os dois, claro. E é fácil provar isso com números. O governo brasileiro, em todos os seus níveis, usa 3,6% do PIB para a sustentação da saúde pública. E o Brasil como um todo usa 8%.
Quem põe os outros 4,4%? O pagamento privado ou o pagamento por operadoras. Farmácia, por exemplo, é a gente que vai lá e compra, porque não existe pagamento por remédio vindo de operadora, mas as operadoras pagam as nossas contas em serviços, por exemplo.
No fundo, é dinheiro do próprio indivíduo ou das empresas, que vai para 46 milhões de vidas seguradas [quem tem plano de saúde].

Então um quarto da população é atendido por esses 4,4% que o sr. citou.
Isso, e o resto da população fica com 3,6% do PIB. Já aí se configura uma desigualdade, porque 150 milhões são financiados por essa porcentagem. Nós vamos muito bem em políticas públicas de vacinação, prevenção, DST-Aids [doenças sexualmente transmissíveis] etc.
O Brasil teve um enorme avanço aí. O que a gente ainda não conseguiu resolver é o problema da assistência hospitalar e da alta complexidade [de procedimentos], para que o indivíduo tenha acesso precoce a uma medicina de alta qualidade, o que termina sendo no hospital.
E aí a gente tem um problema de gestão. Porque as ferramentas administrativas que a gente oferece para os gestores dos hospitais públicos que estão sob administração direta [do governo] são ferramentas inadequadas.

Em que sentido?
Contratação por concurso, estabilidade no emprego do funcionário público, licitação para as compras -tudo isso tira a agilidade da administração, a prontidão. Porque em saúde você tem de ter prontidão, porque a demanda varia muito rápido.
Vou te dar um exemplo. Tenho um funcionário público, um médico que dá plantão num pronto atendimento. Ele ganha aquilo que ele ganha.
Aí ele resolve ir embora, de um dia pro outro. Preciso contratar alguém. Para isso, preciso abrir um concurso.
Para abrir o concurso, tenho de ser autorizado, tenho de publicar -acho que são 60 dias depois da publicação- tenho de aprovar e tenho de contratar. Só que o paciente chegou no pronto-socorro no dia seguinte, entendeu?
Aí você pode falar: vou fazer diferente, deixar um monte de pessoas concursadas, quando precisar eu lanço mão. Mas o cara, quando você chama, não tem mais interesse naquela vaga -ele só tinha interesse quando fez o concurso.
E outro problema é o fato de que 70% dos leitos do SUS estão na mão da iniciativa privada. São hospitais filantrópicos, Santas Casas, que em geral são ótimos, seguram a barra. Mas como esses leitos são subfinanciados se comparados aos leitos de convênio, o que eles mais querem, para resolver seu problema de financiamento?

Atender menos o SUS e mais os convênios.
E isso cria para eles cidadãos de duas categorias, o que tem preferência e o que só vai entrar se não tiver outro para ficar no lugar. Com isso, o número de leitos tem diminuído por causa dos que não conseguem se financiar.
Conclusão: eu acho que o governo precisa ter mais leitos sob o controle dele, em hospitais públicos mesmo, sob um novo modelo de gestão. E esse modelo foi testado -faz tempo que foi testado, pelo [ex-governador de SP Mário] Covas, há 12, 13 anos.
Hoje há quase 30 hospitais no Estado sob esse modelo de gestão, que estabelece metas no contrato de repasse, penalizando o repasse caso elas não sejam atingidas, e são metas tanto de produção quanto de qualidade. Se as metas forem superadas ele premia, e isso está funcionando muito bem.
Claro que o poder público vai gastar mais quando fizer isso. A coisa mais barata que tem é não dar tratamento. É muito barato.
Sabe quanto se calcula que é preciso do PIB de um país rico para dar uma boa assistência de saúde? De 10% a 12%, que é o que tem na Europa. Só dois países no mundo fazem o financiamento público da saúde ser menos que 50% do total: o Brasil e os EUA.

Isso diz muita coisa, de fato.
Só que os EUA usam 17% do PIB deles para a saúde. E vamos combinar que o PIB per capita deles é bem maior que o nosso, então eles gastam bem mais com cada indivíduo do que nós.
O gasto público tem de aumentar. Aí perguntam: "Mas então você é a favor da CPMF para a saúde?". Eu acho que a gente já paga uma carga tributária de 40%. Eu sou a favor da redistribuição. A concepção do SUS é excelente. Nós só precisamos executá-la.

Na sua área de especialidade, os transplantes, como o sr. vê a situação do Brasil hoje?
Essa é uma das coisas que a gente fez muito bem. O Brasil tem o maior sistema público de transplantes do mundo -95% dos transplantes realizados no Brasil são financiados por esse sistema.
Começamos a ter resultados comparáveis aos dos melhores centros, não estamos devendo. Temos um sistema muito justo, de listas únicas, distribuição de acordo com a gravidade. A gente evoluiu muito, e tem de elogiar.
Tem desafios? Tem. A gente tem ainda 16 Estados brasileiros que praticamente não fazem transplante. Nós mesmos temos um projeto, financiado pela nossa verba filantrópica, que é verba pública, para melhorar isso justamente nesses Estados e formar mais gente.

O Hospital Sírio-Libanês está passando por uma grande expansão. Qual é a estratégia por trás dela?
A gente veio crescendo num ritmo que se pode chamar de vagaroso -foi de 260 leitos para 350 ao longo dos últimos três, quatro anos.
Mas o que a gente vê é que existe uma pressão de demanda muito grande sobre o hospital. Os espaços não têm sido suficientes para atender com conforto a todos.
Nos próximos dois anos vamos praticamente dobrar de tamanho. Essa decisão está de acordo com a nossa necessidade atual e com a realidade do país.
O número de vidas seguradas está aumentando, com um crescimento, nos últimos oito anos, de 32 milhões para 46 milhões de pacientes. Além disso há um envelhecimento da população e, quanto maior é a longevidade, maior a necessidade de tratamento.



Fonte: http://www1.folha.uol.com.br de 14.11.2011

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