segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Teteia, Dengo e os pombos




Por: SÍLVIA CORRÊA

Quando os rins da mãe deram sinais de falência, Sininho passou a segui-la. Só comia se Teteia comesse

ZOO DE SÃO PAULO, 5 de agosto, 6h. Fazia frio. Um frio cortante. A decisão havia sido tomada na véspera: mancando cada dia mais e comendo cada vez menos, a hipopótamo Teteia seria sacrificada.
Não fora uma decisão fácil. Aos 53 anos, Teteia era o animal mais velho do zoo. Chegou de Córdoba em 1964, pouco depois da abertura do parque. De lá pra cá, encantou três gerações de visitantes e pariu dez filhos -dois deles gêmeos (episódio raro para a espécie) e o último no auge de seus 43 anos.
Os 240 dias da última gestação passaram-se sem que ninguém desconfiasse. Afinal, o que são mais 50 kg em meio a três toneladas?! Numa madrugada, um filhote surgiu no recinto dos hipopótamos.
A "pequena" ganhou o nome de Sininho e cresceu na barra da saia da mãe. Estiveram juntas durante dez anos, e, nas últimas cinco semanas, quando os rins de Teteia deram sinais de falência, Sininho passou a segui-la pelo recinto. O vaivém foi registrado por uma câmera. Sininho comia se Teteia comesse. Nadava se Teteia nadasse.
Preocupados, os veterinários do zoo tomaram uma decisão praticamente experimental: a filha assistiria a morte da mãe. "Avaliamos que Sininho deveria estar ali para compreender que a mãe morreu. Tínhamos medo que ela parasse de comer e adoecesse", diz o médico veterinário Rodrigo Lopez, chefe da equipe técnica do zoo. E Sininho viu tudo: desde que o dardo com anestésico atingiu o corpo de Teteia, na noite anterior, até o momento em que as patas já não puderam sustentar seu peso, após sucessivas injeções.
Quando o coração de Teteia parou e os homens se afastaram, Sininho se aproximou. Cheirou o corpo da mãe e foi para o tanque -o ambiente mais agradável para hipopótamos. Dois dias depois, voltou a comer.
"Nossa avaliação é que deu certo. Claro que não sabemos se ela também não se recuperaria se não tivesse visto nada. Mas decidimos não arriscar", afirma Lopez.
A psicologia humana sustenta que é necessário encarar a dor para conseguir aceitar a perda, vencer a angústia e ir adiante. Os rituais ajudariam nessa aceitação. Entre animais, porém, os caminhos para lidar com a perda e o luto ainda são apostas no escuro, pois o que eles sentem e como sentem são questões que continuam entre os mistérios da ciência.
O pouco que se sabe vem da observação. Em fevereiro, o leão Dengo, morador do Zoo de Niterói, foi separado abruptamente da leoa Elza, com quem ele vivera nos últimos oito anos. Jogou-se num canto do recinto e parou de brincar e de comer. O desânimo durou cinco meses, até que Dengo foi levado para perto de Elza. Agora, a vida vai voltando ao normal.
O assunto é polêmico e carece de comprovação científica, mas eu arriscaria dizer que o nome disso é saudade -dor difusa e profunda que ora nos imobiliza, ora nos faz acelerar.
No treinamento de pombos de corrida, um dos métodos mais usados consiste em retirar o macho do ninho, deixando que ele veja que ficaram para trás a fêmea e os filhos. Solto a quilômetros dali, o bicho voa no limite das forças, movido pelo desejo de rever a família. Se o pombal for destruído? Ele provavelmente perderá a próxima corrida.
Fonte: Folha de São Paulo 15.08.2011

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